domingo, 27 de dezembro de 2009

A Pressão por Ser Ninguém

No mundo há uma clara distinção entre duas espécies de humanos. Os seres Alguém e os seres Ninguém. Sujeitas aos novos meios de divulgação e transmissão velocíssimos, as informações nos cutucam várias vezes por dia, relembrando a distinção inexcedível entre essas duas categorias.
Os seres Alguém são, por diversas razões ou circunstancias, pessoas reconhecidas pela comunidade particular ou pela sociedade mundo, nem sempre merecidamente, mas sem exceção constituem uma camada que desfruta de privilégios consideráveis, quando cotejados com seus prejuízos correspondentes.
Não resta duvida de que, ao ser Alguém, é demandada paciência e parcimônia quanto a sua exposição midiática, por vezes fatigante e frustrante. Todavia, esses entraves são preferíveis quando se lhes é oferecida a alternativa, isto é, do ser Ninguém.
Ao ser Ninguém, toda a sua glória particular, sua vida difícil ou fácil, suas conquistas, não transbordam além de seu círculo rotineiro de amizades ou do parentesco; é-lhe vedado o reconhecimento amplo, e personalidades distintas lidam com essa restrição, com essa “anonimidade”, de formas bem ou mal comportadas.
O ser Alguém ilustra capas de revistas, tem seu nome citado por dignitários, dá autógrafos, tira fotos, é o centro da atenção, cria neologismos, tem o poder de ditar tendências, criá-las ou destruí-las; essa categoria é, pode-se dizer, a protagonista na sociedade mundo; aos outros restam o papel coadjuvante, quando lhes advém a sorte.
Esses dois grupos se constituem em entidades psíquicas mesmo que inconscientemente. E é a pressão psíquica forjada nas nossas percepções provenientes da comparação entre as categorias que influi com grande impacto nas projeções coletivas e individuais de futuro e bem-estar.
De modo sub-reptício, ao menos de um ponto de vista ligeiro e superficial, essa lógica se instaurou na nossa sociedade contemporânea e parece impossível dissecar a origem desse pensamento, que levou a uma espécie de círculo auto-sustentado de promoção e reprovação.
Todo o grupo dos Seres Alguém politicamente sustenta sua posição 'notável' frente às demais, e é, por uma espécie de mecanismo perverso, correspondida pelos alternos, seres Ninguém, que reconhecem sua inferioridade, legitimando a posição dos primeiros.
A pressão psíquica que recai sobre o grupo incógnito leva hodiernamente, aos principais distúrbios psicopatológicos diagnosticados pelos profissionais dessa área. No que nos interessa, vale ressaltar a falta de lógica desse caminho. A dualidade dessa categorização (claramente informal e não-reconhecida) entre duas espécies de seres levou a uma sobrecarga sob um dos grupos, que é então diagnosticada como depressão e todas as doenças derivadas da mesma síndrome do Ser Ninguém. Somado ao tratamento médico, as recomendações psicológicas são sempre pautadas na contramão do que vemos no cotidiano. Como convencer um depressivo de que ser Ninguém é motivo suficiente para viver, quando todos os cartazes e pôsteres brilham com o sorriso garboso dos Seres Alguém, enquanto estes últimos se reúnem em cúpulas privilegiadas e decidem a sorte dos demais, enquanto se é apenas um peão em um jogo que privilegia os reis?
A psicologia é um paliativo para a resolução de uma situação problemática que decorre de motivos muito alem de seus domínios. Enquanto a sociedade reforçar a clivagem entre as duas espécies de homo contemporâneos, os psicólogos terão muitos clientes e poucas soluções.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Métodical

O restaurante como sempre, tinha a mesma oferta de comida abundante por um preço acessivel. As mesas usualmente estavam cheias, e vez ou outra ele tinha que subir ao andar segundo, para encontrar um lugar vago. Depois d'escolhida-a-dedo sua refeição, recebeu os cumprimentos da moça do caixa, sempre piscando aqueles dois olhos azuis com toda a força que tinha - e dela amealhou seu diário e inexcedível suco de laranja.
Muitas conversas gravitando em volta. Poucos olhares, muitas bocas mastigando e outras, inconvenientes galardeando.
Algumas dessas bocas teriam dito o que acabara de dizer? Teriam, os donos daquelas mãos todas que tilintavam talheres tipicamente, feito o que havia realizado ha pouco? Onde estariam aqueles, cujos olhares agora repousavam em suas seguras vale-refeições, há quinze minutos atrás?
Com toda a certeza, a grande maioria estivera vivendo mais um dia de suas vidas hodiernas. Alguns poucos, quem sabe, tenham se aproximado, de um evento tão primordial e crepuscular em suas vidas, quanto o que lhe tinha ocorrido.

Voltou para casa. Não pode desviar o olhar da árvore, adentrando sua sala. Lá estava, o imenso desserviço que lhe fora impingido pelo favor, aquele favor que lhe custara tanto. Como se arrependia! Se pudesse voltar ao tempo passado diria a ela mil vezes não. Mas já havia realizado o intento sabendo das suas consequencias. Por isso disse à vizinha e a seus lábios (dignos) que amorteciam cada palavra pronunciada que sim, que esperaria por seu conjuge, namorado, ou parceiro à revelia de qualquer síndrome moderna de comprometimento.
Não raciocinava e nem mesmo encontrava lógica no que o levou a acatar com severa e estrita abnegação um pedido tão simples e inocente de sua parceira de andar. Trançava nos corredores e na escada com ela há três anos e quatro meses, mas tropeçaram em pouco mais de cinco frases desconexas durante todo esse período.
Agora, enxergava como tinha sido infanto-juvenil. Qualquer tentativa de aproximação não seria feita sendo cooptado para eventos que incluissem o supracitado sujeito de pouca ou nenhuma estirpe. Vinha sempre de moto: quando chovia e estava molhado, molhava o chão e pouco se importava; falava alto e o cumprimentava como se fossem antiquados conhecidos. Um grande imbecil. Havia, de qualquer modo, concordado em esperá-lo para entregar-lhe certa encomenda, uma vez que a vizinha precisava - correndo - correr até o correio, ou a carta de natal não chegaria à casa de sua avó - mora sozinha em Maria da Fé, tem uma pequena venda de suas rendas que garante um sustento, e claro, tem também a pensão do avô, mas continua com diabetes e a artrose que lhe tira qualquer admiração pelo hoje ou confiança no amanhã - fato obviamente mais importante, comprovado que foi após a exposição, do que o evento entrecortado em sua agenda pela entrega da roupa suja na lavanderia e o almoço no restaurante.

Enfim, abdicou de sua programação, para dar ensejo aos anseios da vetusta vizinha. Esperou no sofá de plástico que imitava couro, e que no calor, grudava o corpo com o próprio suor - coisa medonha - mas que incorporava o espírito reinante naquela residência, o do desleixo. Não compreendia como podia, morando sozinha, comprar um pacote de seis pães de hamburgueres, quatro dos quais agora jaziam na mesa, certamente herdeira de um jantar pouco nutritivo da noite anterior. Olhava para as roupas - numa cena pouco crível - fustigadas no chão, como tapetes! Não entendia como a falta de asseio e organização condiziam com a beleza e a aura atraente de sua correlata residencial. Esperou os dez minutos acertados. Não chegou. Quinze. Não. Aos quase-vinte tocou a campainha, tarde demais para que conseguisse ainda encaixar o que tinha programado fazer naquele horário, mas nem tão tarde para perder a paciência.
Se cumprimentaram com a infame cordialidade costumeira, e logo entregou a ele o pacote. Não esperou por reação alguma, queria ver se ainda conseguia pegar a loja aberta, o vendedor havia dito que se chegasse antes do almoço conseguiria comprá-la. Mas o sujeito não estava disposto a cooperar. Interpelou. Perguntou. O que fazia dentro da casa dela? Pouco tempo para explicações, mas não houve trégua. Pacientemente lhe re-contou todo o processo que já se mostrava odioso. O homem finalmente entendeu e agradeçeu pelo favor.

Quando ia embora, um ataque nervoso foi lhe apercebido nas entranhas. Teve de levantar questão: o que estava no pacote?

- Dois hambúrgueres. Ela fez minha marmita.

Correu com os olhos furiosamente consternados, sabia que não chegaria à loja antes de "Fechada para Almoço". Sabendo já do futuro, nem deveria ter se dado ao trabalho. Mais uma vez, agiu sem o que sempre valorizara, o raciocinio logico perfeito e irredutivel. Correu, correu e narisgou a porta. Havia perdido a chance. Não pode comprar. Por causa de dois hambúrgueres da desleixada vizinha que objetivavam tão somente alimentar aquele capacete espúrio que continha um homenzinho dentro. Voltou à residência. Ela tinha retornado dos correios, e se toque-tocavam na varanda. Gritou. Chingou. Levantou falsos testemunhos e criou vocabulários para atingir, com toda a agrura que sentia, os colhões do sujeito e a honra da vizinha. Conseguiu o que esperava, porque aparentemente os dois ficaram perplexamente petrificados, sem reação, na varanda.

De que adiantava. Havia traído sua rotina. Havia deixado de levar a cabo o que harmoniosamente acontecia há uma década de laborioso zelo. Perdeu a hora do almoço, e perdeu um compromisso agendado, que estava ali! Estava escrito na agenda!

Agora sentia uma sensação de decepção consigo mesmo, enquanto sentava em sua cadeira, mirando a árvore de natal. Era impossível não notar. Tinha deixado apalavrado com o caixa, chegaria antes do almoço para comprá-la, doutra feita, poderia vendê-la para a senhora que havia se quiexado dos altos preços nas concorrentes. Tinha certeza de que chegaria antes do almoço e no pós-almoço estaria com ela ali, enfeitando sua árvore. Agora teria que passar o natal com uma árvore sem estrela na ponta. Sua vizinha e sua falta de lógica lhe custaram muito caro.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Jair, 10 da xurupita....

Faltou pouco. A bola resvalou do lado da trave e saiu pela linha de fundo. Na saída do campo, justificou, argumentando que a única coisa que faltou foi sorte.

Já na sua casa, deitado na cama, o olhar perdido na única cor, bege, do teto e a tv ligada no programa de esportes. O gol do tudo ou nada, crucial para o desfecho de um campeonato inteiro. Trocou de canal, preferiu ver noticias sobre as enchentes no Norte. Levantou e tomou um trago de cachaça. Lembrou dos tempos distantes. Não havia enchentes no Norte. Quis refrescar a cabeça e não conseguiu, pensou em ir pra zona, mas não era dia.

Um telefone tocou, do outro lado da linha uma voz áspera, como se pedindo esmolas perto de um restaurante.

- Jair, vem pro treino rapaz, precisamos de você para o próximo jogo.

Seu Antonio, roupeiro do time há mais de vinte anos, era mais que um psicólogo para o grupo. Entendia cada problema dos jogadores côo se já estivsse vivido aquilo tudo.

De fato no próximo jogo Jair poderia ser decisivo, fazer os gols que tirariam a vantagem do adversário.

Treinou, mais treinou pouco. Quis sentir a atmosfera da partida. Na véspera do jogo, ficou em casa. Comeu pouco, bebeu muita água e se concentrou. A tv não ligava, queria ficar ao máximo no seu mundo.

Ao chegar no estadio se sentiu especial, como se estivesse sido escolhido para ser o protagonista dessa historia que contava com mais de 80 mil pessoas.

O apito agudo rompeu o silencio interno que isolava o som da arquibancada. Era o momento.

Jogo duro. Jair joga, Junior se joga, o juiz deixa jogar. Jair com a bola, que rola para Roque, que pensa no toque, mas prefere passar. Passa no pé de Baltazar, que olha pro lado e perde pra Valdo, que passa de um, passa de dois, olha pro lado, tabela, recebe adiantado, passa mais um, é trombado e quando esta pra cair, Jair, Jair é o nome do gol, num lance de puro oportunismo, com o lado de dentro do pé, sacode a rede e sai para comemorar. Aqueles 5 segundos parecem uma eternidade. Tudo em câmera lenta, o som equilibrado e musical da torcida como se fosse um coro, a palma da mão no peito, forte, cheio de si.

Tem dias que a sorte não acompanha, mas para algumas pessoas ela só aparece na hora certa.

F. Goes, publicitário, malandro e vagal nas horas vagas

domingo, 18 de outubro de 2009

Inspiração e Expiração

dê-me aqui todo o seu dinheiro
e fique com meu tempo
este já não tem qualquer utilidade
não sei se é minha idade ou mesmo sobriedade
que me fez enxergar isto
o tempo não para mas os grandes momentos param no tempo
disse
com certa propriedade
mas o seu tempo era outro
suas dúvidas eram pouco
e o seu vinho era muito
me dê aqui todo o seu dinheiro
e fique com meu tempo
meu momento já veio e já passou,
pois todo tempo é um único momento
como um trem que passa espirrando água nos transeuntes

José

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Homem de Quarenta Anos

Um dia eu acordei e tinha quarenta anos. Tudo para mim então mudou. Percebi que sentia muito frio nas mãos e nos pés. Quando me levantei da minha cama soltei uma leve bufada como se estivesse cansado, embora tenha dormido como se estivesse bem a noite toda. Queria ir até a cozinha, mas precisava, com os olhos, achar meu chinelo para não por os pés no chão gelado. Tudo para mim então mudou, se há um dia atrás eu tinha pouco mais de vinte, agora eu tenho pouco menos de sessenta, e tudo leva a crer que chegar nessa idade será mais rápido que chegar dos vinte aos quarenta. Quando finalmente achei o chinelo, sai da cama para ir para a cozinha, mas no meio do caminho mudei de rota e tive que ir para o espelho do banheiro me certificar de como estava. O risco que tento rente aos olhos desde a adolescência parecia estar acentuado, como se deixasse de ser apenas um risco e virasse uma ruga, cicatriz da velhice, que marca como um mapa o rosto de pessoas que passaram por muitos lugares. Se na semana passada eu usava o espelho para bater o cabelo sem medo dos fios brancos que sempre estiveram comigo, agora, eu tentava minuciosamente esconde-los, pois já não passavam estilo e sim idade.
Olhei para minhas mãos e os calos pareciam estar amolecidos. Minhas mãos olharam para os meus olhos e os viram lacrimejar, mesmo sem estar com a mínima vontade de chorar, talvez lacrimejassem por ver toda a vida que passaram juntos, olhos e mãos, ao longo de uma jornada tão grande.
Tudo ocorreu assim, tão de repente. Há pouco, a vida para mim estava apenas começando, agora esta mais próxima do fim, ou talvez de um novo começo.
Sai do meu apartamento e preferi as escadas que o elevador, são só dois andares e recomenda-se que nessa idade se faça exercícios leves como descer a escada. Ao chegar ao térreo não tratei Seu Osmar como de costume. Chamei-o apenas de Osmar e menosprezei o respeito cronológico que existia antes, já que agora somos praticamente contemporâneos, eu com meus quarenta e ele com setenta e dois. Fui ao mercado e não pude recusar o favor de cortar fila que ofereceram. Aceitei e nem constrangimento senti, os fios brancos e o pé de galinha me davam condições para isso.
Na praia, me contentei em apenas ficar na areia, preferi não entrar no mar, pois não sabia se ele estava forte ou fraco, ou talvez não soubesse se eu era ainda forte ou fraco, desgastado, quarenta anos na terra, mãos com calos amolecidos, olhos lacrimejados. Decidi voltar para casa. Entrei no prédio, subi pelo elevador, vesti um casaco, vi um programa sem graça de humor e me deitei no sofá e adormeci. É isso que fazem as pessoas. É isso que fazer as pessoas quando um dia acordam e tem quarenta anos

F. Goes é pré-publicitário, boleiro e cosmopolitano (além de corinthiano intratável). Escreve em um blog - http://ocantto.wordpress.com/ - e colabora de vez em sempre com os amigos.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Escola Superior de Relações Internacionais Secretas – Especialização em Combate Desarmado e Análise de Balaços

Ementa do Curso: o presente curso pretende formar em três semestres de aula presencial mais um mês de videoaulas (Malandragem Integrada), profissionais com uma ampla visão do mundo da espionagem, os novos paradigmas da morte em serviço e a globalização e terceirização dos serviços escusos.

Grade Curricular:

IºSemestre:
-Introdução à Teoria das Armas Brancas
-Montagem de Rifle no Escuro
-História da Espionagem
-Gastronomia de Sobrevivência
-Habilitação em Camuflagem; Deserto, Selva e Gelo Siberiano

IIºSemestre
-Teoria das Armas Brancas
-ABC do Assassinato
-HALO Jump – Módulo I
-Criptografia; Morse Code e Língua do “P”
-Teoria I de McGyver

IIIºSemestre
-Imobilização, Desarme no Taijutsu
-Práticas Questionáveis de Interrogatório Moderno
-Teoria Geral do “Não Fui Eu”
-Histórias dos Grandes Conflitos – Bastidores e Picuinhas Históricas
-100 metros em Campo Minado

Optativas:
-Sociologia dos Ursos Kodiak
-Origens da Treta
-Bipolarização de Outrora e a Nostalgia
-Meditação de Cativeiro
-Decoração de Presentes Para Troianos
-Técnicas de Falso Suicídio

José e Maurício

domingo, 27 de setembro de 2009

O Voluntariado é simplesmente o vácuo do Estado?

Somente aos 21 anos de idade decidi me engajar em um trabalho voluntário. Sério. Periódico. Durante algum tempo colhi os frutos inconscientes de estar cumprindo minha parte social, apesar de acreditar que a grande mudança só ocorre em conjunto – à despeito da inegável validade do ato individual e da contribuição da pequena parte que todos podemos fazer.
Retomando, estava convencido do papel que cumpria, até que uma discussão envolvendo serviço social, estado mínimo e desigualdade veio me perturbar. Diziam eles:

“O Voluntariado não é uma boa prática. Em alguns casos, ele empurra para a sociedade civil deveres que o Estado deve exercer. Incentivar o voluntariado é perpetuar a incompetência estatal e quem sabe, aprofundá-la.”

E ainda,

“O Voluntariado leva a práticas pulverizadas que tem um pequeno resultado local. Ao criar centenas, milhares de organizações, ele aumenta a burocracia e atua no sentido de desagregar movimentos maiores, que em tese teriam mais poder, político ou social.”

Analisando a motivação primeva, que leva alguém ao Voluntariado, comecei a desnudar alguns aspectos desse movimento: O voluntariado é, do meu ponto de vista, a ação descentralizada, de caráter eminentemente filantrópico, voltada para o indivíduo ou grupo de indivíduos necessitados, sejam eles amparados pelo poder público ou não.
Essa característica, a fraternidade, a ação voltada para o próximo, é correlata, ao menos no plano teórico, à aspiração das grandes religiões de salvação, que Weber destrinchou a quase um século atrás. Segundo Max Weber, a fraternidade universal despersonalizou o amor, objetivou-o. O resultado foi o mesmo alcançado pelo capitalismo – a incompatibilidade com uma ética da fraternidade pessoal – só que por outro caminho. O amor universal acaba desvalorizando o amor como sentimento pessoal, pois não escolhe alvo, se generaliza como preceito global. Além disso, o acosmismo, a visão de que o mundo material é apenas uma ilusão, reitera o princípio de que tudo deste mundo, inclusive o amor fraternal é menor, pelo menos, do que está no plano superior(no céu).
A fraternidade do Voluntariado, entretanto, implica uma relação pessoal forte. Ele é motivado por convicções pessoais – é apartidário, facultativo, espontâneo, completamente neutro quanto à sua causa. Acredito que isso assegura à esfera moral do Voluntariado uma boa interface. O que está no cerne mesmo do movimento é energia de mudança essencialmente voltada para o bem.
A questão macropolítica, todavia, resta entravada. Em alguns casos, é verdade sim, que a ação da sociedade civil, bem ou mal organizada, faz o papel do Estado, seja assumindo completamente o papel deste, seja porque aquele acredita que deve complementar determinada área carente. Vislumbro entretanto, resultados diferentes no que toca à argumentação de que esse movimento perpetua a irresponsabilidade estatal. No mais das vezes, o Voluntariado chama a atenção do grande público, graças ao seu caráter especial – e a opinião pública, quando provocada, leva sim, questionamentos ao Estado. Chamar a atenção das massas e do Estado para um problema que deveria ser de responsabilidade pública é um ótimo começo, para que as coisas mudem. Não defendo, mesmo assim, que o Voluntariado um dia deixe de existir, quando o Estado tiver assumido integralmente suas responsabilidades. Um equilíbrio entre ação pública e ação coletiva organizada me parece o ideal. Centralizar demais o poder nunca foi uma boa idéia, e abrir mão do espaço de ação social conquistado pelas ONG’S ao longo de uma luta por direitos civis que ainda não acabou, parece uma idéia pior ainda.
Como sempre, é uma questão de achar o equilíbrio.

José

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Crítica: Cantigas e Moral

Como ensinar princípios às crianças:

(Todos 2x) - O José roubou pão na casa do João! - Furto
(José) - Quem, eu? - Dissimulação
(Todos) - Sim, tu. - Falso Testemunho\Acusação
(José) - Eu não! - Faltar com a verdade
(Todos) - Então quem?
(José) - O fulano. - Delação
(Todos) - O fulano roubou pão na casa do João!

ps. Meu, onde está o João, que não vê isso?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Considerações acerca do drible

Que razão me levaria a tal raciocínio não tenho certeza. Veio naturalmente a minha mente, fruto do ócio e da inépcia das férias; e então, mesmo sabendo que posso me arrepender mais tarde por causa de filosofia tão tosca, escrevo sinceramente já que, procedendo de outro modo, estaria me enganando. Sempre defendi o drible. Sempre. Joguei futebol toda a minha vida valorizando mais uma jogada espetacular do que um gol- e há certa justificativa para isso: o gol é o simples momento em que a bola cruza a linha sob as traves após ter sido trabalhada em uma jogada (por mais feia ou eventual que seja). Sendo assim como não apreciar um momento de inspiração, de criatividade autêntica que é a jogada individual, o drible, mesmo que ele não termine como gol? Sempre tentei ser um driblador nas peladas e nos jogos amistosos. Do mesmo modo, já fui driblado muitas vezes. Depois daquela sensação única que é tomar uma caneta ou um chapéu, aquele embaraço que dura apenas uma fração de tempo até o desenrolar da próxima jogada dentro de campo; há também a sensação contrária, de dar o drible, um contentamento, um sentimento de obra bem realizada e acabada, uma vontade de rir inocentemente. E tudo isso é incrível, o drible que você toma hoje é o que você dá amanhã, e por isso, sempre acreditei que um drible cabia em qualquer hora, em qualquer lugar.
Ultimamente, comecei a repensar minha posição sobre o assunto. O drible é, em última instância, a antinomia do futebol, posto que é jogo coletivo. A jogada individual é então, desse ponto de visão, a última cartada, o derradeiro esforço de superar os obstáculos do jogo, utilizando-se apenas uma pequena parcela de todo o potencial disponível - apenas a habilidade de um jogador em detrimento dos outros nove em campo (o status do goleiro é assunto para outro texto de conjecturas inoportunas). Descobri então que o drible é no fim das contas, a máxima expressão de egoísmo, irresponsabilidade e mau comportamento dentro do que se consideram os esportes coletivos. Em um drible se arrisca muito – e é a decisão de um que pode acarretar conseqüências para todos – é, em suma, um “jogo dentro do jogo”: o driblador apostas as fichas (não só as suas, mas de toda sua equipe) de que pode, por circunstancia, conjuntural ou estrutural, superar seu (s) marcador (es) O objetivo último – o gol – foi ao menos momentaneamente posto de lado.
Comecei a pensar em alguns nomes representativos dessa classe egocêntrica: Garrincha, Pelé, Robinho, Cantona, Zidane, Davids, Riquelme, Messi, C. Ronaldo... e mesmo após tantas evidências apontando a incoerência do ato de driblar, não tive outra escolha a não ser agradecer a esses auto centrados e irresponsáveis mitos dessa malfadada arte, esse rol de anti-heróis. E bem dizer por fim, o drible!

José

domingo, 6 de setembro de 2009

Ah...

Quase esqueci!Assisti ao espetáculo "comédia em pé" do fernando caruso e toda a turma dele, aqui em São José dos Champs. Muito bom. Recomendo o blog do referido comédia. http://bloglog.globo.com/fernandocaruso/

Politicopatia Generalizada

Sintomas

Passividade social em todos os níveis de articulação política, falta de informação precisa sobre a situação do poder político, propagação de mitos; desinteresse e banalização da gestão da rés pública

Causa

Tradição sócio-cultural de coletividade estratificada em classe dirigente (higienizada) e massa (popular); à classe dirigente lhe cabe gerir o poder à ela auferido no sentido de manter ou ampliar a estratificação, dando eventualmente sinais de que se recorda dos seus eleitores; a massa não suporta eleições e sente-se aliviada quando elas finalmente passam (o horário eleitoral televisionado é uma via crucis nacional); o dito popular “futebol, religião e política não se discutem” só é verificado para a última; parece existir um acordo tácito de inação social frente aos impropérios cometidos pelos parlamentares

Casos Recorrentes

O eleitor não se sente conectado à coletividade e pouco ou nada faz para contribuir (fora os desmedidos impostos) para com sua cidade; reclamações e divagações mal-fundamentadas são parte do cotidiano dos eleitores que pouco ou nada sabem sobre os cargos, encargos, atribuições, desempenho ou mesmo o nome de seus vereadores.

Tratamento

O grande interessado no processo – o eleitor – tem, em uma democracia, o poder legal de empossar, cobrar, verificar, corrigir, coibir e afastar do cargo maus administradores públicos: a base institucional é, todavia, insuficiente. É necessário maior amparo da mídia, mudança de consciência e de postura individual, “re-fundação" cultural que envolva todas as esferas da sociedade – se estamos falando de um tratamento conservador; considerando-se o substrato secularmente acomodado da sociedade brasileira, a alternativa – de um tratamento mais agressivo e radical – uma revolução política, ainda que pacífica, parece surreal demais.

Contra-Indicação

Contra indicado aos que esperam manter o cenário de profunda alienação política ou aos que, por nada fazer, contribuem para essa manutenção. À classe dirigente decantada por Darcy Ribeiro e que vê com bons olhos quando “Nessas condições exacerba-se o distanciamento social entre as classes dominantes e as subordinadas, e entre estas e as oprimidas, agravando as oposições para acumular, debaixo da uniformidade étnico-cultural e da unidade nacional, tensões dissociativas de caráter traumático”. Contra-indicado, por fim, a todos os hipócritas que colaboram, de um modo ou de outro, para vivermos nessa sociedade de castas – os políticos – e nós.

José

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A Vanguarda pela Vanguarda

Só de ouvir falar em “Pós-Modernismo” eu sinto uma pontada no peito. Reflito se meu ser, meu eu inaccessível a mim mesmo, escondido nas sombras da minha própria consciência é um conservador arraigado. Apesar dessa tenebrosa desconfiança, vejo sinais de lucidez na aversão a alguns aspectos pós-modernos.

David Harvey cita Poggioli em “A Condição Pós-Moderna”: a vanguarda está condenada a conquistar, por influencia da moda, a própria popularidade que um dia desdenhou – e isso é o começo do fim.

Essa é a sensação que tenho ao analisar as tendências mais palpáveis. Pegue a música. Nesse campo cultural especifico, a asserção de Poggioli é flagrante. As bandas alternativas de hoje são os ícones do mainstream de amanha. Os ideais de hoje são deliberadamente trocados pelo “amadurecimento” que a fama e a popularidade trazem consigo.

O problema principal não é a alta rotatividade da moda, a fluidez extrema dos valores ou a efemeridade dos ícones. O problema é a aparente falta de evolução que as sucessivas vanguardas apresentam, acumulando informação e produzindo pouco conhecimento, como as sensações do mundo virtual – MSN, ORKUT, FACEBOOK, TWITTER, ? – A percepção de que cada nova concepção artística ou de expressão coletiva cultural está inserida invariavelmente, em diferentes graus, no paradigma comercial, faz vir à memória vanguardas ideologicamente fortes do passado; consistentes; claras; propositivas.

O PÓS-MODERNO se mostra cada dia mais intenso, plural, heterogêneo e... Vazio. O modernismo foi uno e pouco tolerante, mas claro em seu “core” valorativo, gostassem ou não dele. Não procedo a uma defesa da mentalidade moderna, muito menos, me oponho as liberdades ampliadas e as possibilidades incalculáveis da cultura pós-moderna. O que tento sublinhar é a característica comum das vanguardas.

Prometem a diversidade e o espaço para todos, a liberdade de representação estética, o reflexo do individualismo ampliado. Viva o diferente! Não há, entretanto, engajamento político, não há preocupação com questões sociais, não há, enfim, reflexão acerca do próprio paradigma. Toda moda parece destinada ao pop, ao lazer-produto, à arte consumo, ou a se tornar a marca distintiva de um grupo limitado, uma tribo, que grita o mais alto que pode em meio a todas as outras tribos, defendendo seu direito a ser diferente. Pouco, muito pouco.

domingo, 23 de agosto de 2009

O significado

Dos três significados do título descritos acima, vamos ficar com o primeiro. O objetivo deste blog é se tornar um espaço de discussão, no qual todos podem opinar. O blog também poderia se chamar Fórum, porque esperamos uma participação dos visitantes, que poderão postar seus próprios textos ou responder à opiniões aqui divulgadas. De nossa parte, vamos contribuir como podemos para que debates interessantes tomem lugar neste blog, postando conteúdos de assuntos variados, em um espaço para todos - porque as melhores idéias são as que criam as mais intensas controvérsias.