domingo, 18 de outubro de 2009

Inspiração e Expiração

dê-me aqui todo o seu dinheiro
e fique com meu tempo
este já não tem qualquer utilidade
não sei se é minha idade ou mesmo sobriedade
que me fez enxergar isto
o tempo não para mas os grandes momentos param no tempo
disse
com certa propriedade
mas o seu tempo era outro
suas dúvidas eram pouco
e o seu vinho era muito
me dê aqui todo o seu dinheiro
e fique com meu tempo
meu momento já veio e já passou,
pois todo tempo é um único momento
como um trem que passa espirrando água nos transeuntes

José

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Homem de Quarenta Anos

Um dia eu acordei e tinha quarenta anos. Tudo para mim então mudou. Percebi que sentia muito frio nas mãos e nos pés. Quando me levantei da minha cama soltei uma leve bufada como se estivesse cansado, embora tenha dormido como se estivesse bem a noite toda. Queria ir até a cozinha, mas precisava, com os olhos, achar meu chinelo para não por os pés no chão gelado. Tudo para mim então mudou, se há um dia atrás eu tinha pouco mais de vinte, agora eu tenho pouco menos de sessenta, e tudo leva a crer que chegar nessa idade será mais rápido que chegar dos vinte aos quarenta. Quando finalmente achei o chinelo, sai da cama para ir para a cozinha, mas no meio do caminho mudei de rota e tive que ir para o espelho do banheiro me certificar de como estava. O risco que tento rente aos olhos desde a adolescência parecia estar acentuado, como se deixasse de ser apenas um risco e virasse uma ruga, cicatriz da velhice, que marca como um mapa o rosto de pessoas que passaram por muitos lugares. Se na semana passada eu usava o espelho para bater o cabelo sem medo dos fios brancos que sempre estiveram comigo, agora, eu tentava minuciosamente esconde-los, pois já não passavam estilo e sim idade.
Olhei para minhas mãos e os calos pareciam estar amolecidos. Minhas mãos olharam para os meus olhos e os viram lacrimejar, mesmo sem estar com a mínima vontade de chorar, talvez lacrimejassem por ver toda a vida que passaram juntos, olhos e mãos, ao longo de uma jornada tão grande.
Tudo ocorreu assim, tão de repente. Há pouco, a vida para mim estava apenas começando, agora esta mais próxima do fim, ou talvez de um novo começo.
Sai do meu apartamento e preferi as escadas que o elevador, são só dois andares e recomenda-se que nessa idade se faça exercícios leves como descer a escada. Ao chegar ao térreo não tratei Seu Osmar como de costume. Chamei-o apenas de Osmar e menosprezei o respeito cronológico que existia antes, já que agora somos praticamente contemporâneos, eu com meus quarenta e ele com setenta e dois. Fui ao mercado e não pude recusar o favor de cortar fila que ofereceram. Aceitei e nem constrangimento senti, os fios brancos e o pé de galinha me davam condições para isso.
Na praia, me contentei em apenas ficar na areia, preferi não entrar no mar, pois não sabia se ele estava forte ou fraco, ou talvez não soubesse se eu era ainda forte ou fraco, desgastado, quarenta anos na terra, mãos com calos amolecidos, olhos lacrimejados. Decidi voltar para casa. Entrei no prédio, subi pelo elevador, vesti um casaco, vi um programa sem graça de humor e me deitei no sofá e adormeci. É isso que fazem as pessoas. É isso que fazer as pessoas quando um dia acordam e tem quarenta anos

F. Goes é pré-publicitário, boleiro e cosmopolitano (além de corinthiano intratável). Escreve em um blog - http://ocantto.wordpress.com/ - e colabora de vez em sempre com os amigos.