sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Revoluções Intestinas

de tão frio estereótipo padeço eu
que sinto sentimentos indo e vindo
catalogados como livros numa estante
por cor, tamanho e semblante
e posso ao menor pensamento pensar
em acessar ou guardar ou calar
aquela pequena faísca acessa
pelo meu subconsciente consciente
agita todo o sistema
ilumina todo o problema
para então
ser extirpada pela razão
racional que me diz, irônica, acenando com a mão
não

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Inversão da Ficção

por Victo José da Silva Neto

A ficção científica evolui com uma aceleração diferente das ciências humanas. Entretanto, seu objeto de representação é sempre a fronteira, em sua época, ainda incógnita e desconhecida da nossa razão. Encontrei, por acaso, uma tendência, nas obras e principalmente nos filmes de ficção, ao profundo pessimismo com o futuro da humanidade e do planeta Terra. O ponto interessante é que houve uma reversão dos papéis, quando comparamos as obras atuais com as de alguns anos atrás.
Podemos buscar mais fundo ainda, mas 1953 já é tempo suficiente para demonstrar, com War of the Worlds, de H G Wells, como a temática da invasão alienígena representava um dos temas mais em voga no cinema de massa. A corrida espacial apenas começava, a NASA ainda não existia, e tudo que circulava sobre o tema entre o grosso da população era baseado em especulação e quase nada em ciência.
Em quase 60 anos, outros grandes ícones da produção cinematográfica marcaram época, cada geração teve seu épico de destruição da Terra por seres alienigenas. O meu, por exemplo, foi Independence Day. Na época, 1996, eu nem imaginava a propaganda norte-americana contida no filme, o protagonismo em alguma medida arrogante dos Estados Unidos no futuro da humanidade. Eu me divertia mesmo era com os aliens e as batalhas entre as naves alienigenas e os caças.
Talvez seja essa a lembrança que me faz refletir ao assitir Avatar. Há 14 anos atrás, nas telas dos cinemas nós estavamos sendo invadidos. Hoje nós somos retratados como os invasores. Os humanos são os impiedosos seres agressivos que graças a interesses superiores desprezam a vida e a comunidade do planeta alheio. E Avatar foi só o primeiro. Pois Pandorum deve estreiar no final do mês aqui no Brasil, e Batalha por T.E.R.A. no final de Maio. De um modo ou outro, eles devem reproduzir, sem o mesmo sucesso estrondoso, a temática de Avatar.
O nosso maior medo deixou de ser a invasão de seres desconhecidos. Hoje temos a consciência, de que nós mesmos podemos destruir nosso planeta; falta uma dose de auto-conhecimento? Ou uma dosagem menor de hipocrisia, quando discursamos sobre sustentabilidade mas continuamos fazendo tudo do mesmo jeito?
De qualquer modo a ficção já fez e continuará fazendo sua contribuição para retratar as fronteiras desconhecidas de nossa época. E realmente, um bando de et's cabeçudos parece mais inofensivo do que uma corporação capitalista em épocas de intensa concorrência.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O Futebol Pragmático versus o Futebol Cabalístico

por Victo José da Silva Neto

Santos e São Paulo fizeram um grande jogo. Talvez esse seja o mais interessante clássico do futebol paulista em anos. Justificarei. O São Paulo possui um plantel cheio de opções de meio campo, mas se sobram nomes, faltam qualidades destacadas. Seu sistema de jogo é europeu, apesar de ser o 3-5-2 mais próximo da perfeição que o futebol brasileiro já viu, com certeza seu espécime primordial na ultima década. O toque de bola, a solidez defensiva, os contra-ataques pelos pontas (Dagoberto, ou J. Wagner as vezes) (tendência também identificada nos clubes europeus - vide Manchester/Barça), o futebol sem erros, de qualidade tática suprema aliada à qualificação técnica, mas que também deixa de ser um atraente espetáculo, pois prima pela segurança e o passe certo, ao drible seco, à ginga e ao improviso.
Esses três últimos atributos pertencem ao jovial time do Santos. Mantendo a tradição de revelar grandes jovens com o que o futebol carrega de mais místico, ou seja, a arte de improvisar, que nada mais é que jogar naturalmente, como se jogam peladas, adaptando o drible à situação: a inventividade sobrepõe-se ao modelo pétreo, a movimentação é muito mais livre; a leveza e a velocidade atordoam os marcadores adversários.
Mas o Santos é mais do que isso. Pois reuniu gerações distintas dentro de um mesmo plantel. Conseguiu aliar a sofisticação extremamente simples que é o futebol arte - que se aprende genetica-hereditariamente no Brasil, tanto através de incentivos familiares quanto graças à uma tradição socio-cultural de grandes jogadores, da valorização do driblador como o verdadeiro boleiro - com a segurança de um meio campo respaldado por uma zaga confiável. Giovanni, Léo, Robinho, Ganso e Neymar. Ícones. Boleiros. Com a exceção de Ganso, que é de uma categoria ainda mais exclusiva. É o jogador que prevê, antecede a reação adversária aos seus próprios movimentos, e por isso joga fácil, tão fácil que parece não fazer esforço algum para enfiar bolas primorosas, puxar marcação ou abrir espaços impensáveis. É o jogador que, se não quiser, não perde a bola. Que sabe de ante-mão quando uma jogada é factível, quando deve passar, quando deve chutar, o resultado de cada ação já previamente calculado por uma espécie de análise imediata automática, que ocorre subconscientemente, elevando os jogadores que tem essa incrível capacidade crítica e de pensamento veloz, quando fundidos com uma habilidade e intimidade com a bola, à um nível superior. Esse é o jogador místico.
Foi para ver esse clássico, que de bom grado perdi o jogo do meu time, ou melhor, do juntado de onze que para minha indignação hoje compõe o alviverde. Torci para o Santos, e não esperava o segundo gol santista. Isso porque o São Paulo é um time extremamente competente. Dificílimo de ser batido. Já são quase seis anos jogando da mesma forma. E como quase só o São Paulo conseguiu efetivamente implantar a filosofia européia de jogo no Brasil, foram seis anos com um diferencial que o elevaram a categoria de papa-títulos. Como eu dizia, torcia para o Santos, muito pelo estilo de jogo deste, ousado e cativante. Robinho não deixou por menos. Seu gol é a síntese do jogo, e de um antagonismo que fará esse ano um dos mais interessantes no futebol nacional. O futebol pragmático sucumbiu, pela primeira vez em anos, ao geneticamente predisposto futebol cabalístico brasileiro.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A capital da ZICA.

Ainda em 2009 o Metallica anunciou que viria ao Brasil em alguns meses. Faziam 11 anos que a banda não dava o ar da graça, e nenhum fã mantinha esperanças após o cancelamento do show de 2003. A banda já era um clássico em minha família desde meados do Diablo II e meu irmão mais velho respondeu a minha pergunta, "Vamos ao show?", com um alto e claro, "Sim, e de VIP!". Era perfeito. O primeiro do Metallica, meu primeiro no Morumbi, e a primeira vez indo na ala VIP. Era perfeito...

Como muitos, conseguimos ingressos antecipados através da Ticket Master, um claro caso de monopólio na venda de bilhetes. Eles demoraram um bocado a chegar, o que nos deixou suspeitos e apreensivos até a hora em que os tivemos em nossas mãos. Agora era só esperar.

O grande dia foi agitado. Era 30 de Janeiro, um ensolarado sábado. Enrolamos muito pra sair de São José. Era também o dia do casamento da irmã da Lia, namorada do meu irmão, e optar ir ao show ao invés de fazer as honras da família do sogrão foi com certeza uma escolha difícil pra ele. O Metallica entraria no palco às 21:30 e às 18:00, quando estávamos deixando a cidade rumo à capital, recebemos uma notícia de merda. Os ingressos VIP que muitos haviam comprado pela Ticket Master estavam errados. Os ingressos meia VIP e os da pista inteira custavam o mesmo preço, e todos receberam seus ingressos trocados. Screw this!

Tentamos esfriar a cabeça e botar os pés na estrada. Dirigi até Sampa em um misto de ansiedade e decepção, vestido com a minha recente adquirida camisa tricolor. Oras, se o show aconteceria no estádio do meu querido clube por que não fazer como os muitos palmeirenses trajados de alvi-verde durante o bom show do Iron Maiden no palestra itália? Errado!

Depois de ficar um tanto quanto perdido nas proximidades do Morumbi, encontramos a casa de uma amiga em que iríamos deixar nosso carro. Era um condomínio bacana, de extremo contraste ao cenário urbano e que não ficava muito longe do show. Longe o bastante da muvuca. O sorriso em nossos rostos já traziam os bons ares de missão cumprida. Depois de uma ou duas espreguiçadas, pegamos tudo o que precisávamos para o show e seguimos as pressas.

Graças ao horário de verão ficou claro que haviam pessoas demais na frente do Cícero Pompeu. A fila era ridícula, dava uma completa volta no estádio. Aceitamos o fato e fomos ao final da fila para a entrada da pista. Portão 02. Maldito portão 02.

Esperamos algum tempo até chegarmos a merecida entrada. Tudo estava sussa até acontecer o maldito momento desequilíbrio que toda história precisa para ser boa. Um dos seguranças me parou antes mesmo de chegar à revista me alertando que não poderia entrar vestido com a camisa do São Paulo. Haha, bela piada. Os argumentos giravam em torno de chances de linchamento e agressão fanática de torcidas rivais. Uma responsável pela administração veio até a discussão para dar mais força a imposição do segurança. A polícia, responsável pela revista nunca iria permitir que eu entrasse com aquela camisa. As opções não eram muitas. Ou jogava a camisa fora ou ia embora para todo sempre. Foi então que fiz o básico, fiquei puto. Estava FMP(Fudido e Mal Pago), como diria um amigo meu. Era ridículo, dentro do templo sagrado do meu futebol, eu não podia erguer o estandarte ou seria esfaqueado... Eu estava a jantar com o inimigo.

Saímos do estádio, ambos ainda nervosos. Meu irmão mais uma vez foi o tal do herói. Pegou minha camisa e colocou por dentro da calça, vesti uma capa de chuva e tomamos doses da maldita coragem. Aproveitamos uma confusão semelhante com um outro grupo torcedor do esporte nacional e os memos seguranças e corremos para a linha polícial responsável pela revista. Nervosos o bastante para sermos pegos, fomos revistados. Meu irmão trocou palavras com um dos policiais e passou. Na minha vez pediram para abrir a capa de chuva, para checar se eu escondia a camisa. "Cadê a camisa?". Com um embrulho na barriga, e uma careta no rosto as únicas palavras que me saíram foram. "No carro."

Puta que pariu, a sensação de passar pelas catracas era semelhante a chegar ao "pique" quando criança. Estávamos salvos. Meu estômago doía e eu ainda estava puto. Meu irmão era o herói e eu não conseguia sequer me livrar da fúria. Mais alguns passos e chegamos à rampa para entrar no campo. Era lindo. As luzes estavam acesas as arquibancadas lotadas, o campo cheio. Certa vez um amigo me disse que só o preço do sistema de iluminação do Morumbi já pagava o Palestra Itália. Foi apenas exagero de um palmeirense brincalhão, mas aquilo era lindo. Aquela visão era sem a menor sombra de dúvida as nossas batatas e nós os campeões. Eu quase pude sentir lágrimas no meu rosto ao ver a casa cheia. No meio da galera, olhando as arquibancadas lotadas eu pude sentir o gostinho de ser um jogador de futebol, e entendi por que as pessoas erram penaltis de vez em quando.

As luzes apagaram, o Metallica entrou, deu seu melhor e partiu. O melhor show de todos, no TOP 10 das maiores zicas de todas. Foi demais.

Quebrados, derrotados e de fato felizes, fomos embora. Sedentos por um simples suco de laranja jantamos uma pizza do Habib's, tomei um banho e capotei. No dia seguinte fui subitamente acordado pelo celular. Eram quase 14h, o número era estranho. A voz era familiar, mas eu ainda estava doido. Era um convite para almoçar. Arrumei minhas coisas, as coisas que havia bagunçado e fui me despedir do meu irmão. Ele já estava lendo as notícias. "Metallica faz o maior show de rock que São Paulo já viu.". Yeah! Vazei logo depois de um abraço, e do comum acordo de que agora só faltavam algumas bandas para assistirmos ao vivo.

Fui embora para Barra Funda, vestindo as poucas roupas limpas que ainda me restavam. Entre elas, o manto tricolor. Zica é zica e eu já devia estar acostumado. Fui parado no metrô por um funcionário à paisana. Disse que hoje era domingo, dia de clássico no palestra e que seria prudente de minha parte me livrar as pressas daquela camisa, antes que fosse linchado. Screw this 2...

Eu havia me esquecido completamente que era dia de jogo. Certo que o campeonato paulista não é tudo isso, e que tanto Corinthians quanto Palmeiras estavam com os times desfalcados e remendados. Mas os torcedores não tão nem ai para o futebol. O jogo é só um pretexto. Eu estava decepcionado com a maldita ironia. Eu não podia usar aquela camisa sem ser um maldito alvo.

Cheguei à Barra Funda, que fica há poucos metros do Estádio Palmeirense, e estava parado, subindo pela escada rolante, certo de que todos aqueles olhares curiosos que me seguiam me alertavam sobre e encrenca do fanatismo futebolesco de domingo. Foi quando uma pequena mocinha dos cabelos cacheados que subia as escadas normais mais rápido do que suas pernas deixavam chegou bem perto ao meu lado e me disse: "Que camisa linda."

A inocência e sinceridade daquela garotinha me arrancou um sorriso do rosto e me deu a motivação para escrever essa budega. Parecia que a garotinha sabia de tudo o que havia acontecido, e que eu estava prestes a me encontrar com uma pessoa que eu adorava. Era como se dissesse, "Fica frio, você já ganhou.". Eu acabei vestindo uma outra camisa amassada que tinha na mochila e desfrutado de um ótimo domingo em grande companhia. Foi um belo fim de semana que me lembrou que logo acabam minhas férias, e que volto a minha vida na capital das boas histórias.