segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A capital da ZICA.

Ainda em 2009 o Metallica anunciou que viria ao Brasil em alguns meses. Faziam 11 anos que a banda não dava o ar da graça, e nenhum fã mantinha esperanças após o cancelamento do show de 2003. A banda já era um clássico em minha família desde meados do Diablo II e meu irmão mais velho respondeu a minha pergunta, "Vamos ao show?", com um alto e claro, "Sim, e de VIP!". Era perfeito. O primeiro do Metallica, meu primeiro no Morumbi, e a primeira vez indo na ala VIP. Era perfeito...

Como muitos, conseguimos ingressos antecipados através da Ticket Master, um claro caso de monopólio na venda de bilhetes. Eles demoraram um bocado a chegar, o que nos deixou suspeitos e apreensivos até a hora em que os tivemos em nossas mãos. Agora era só esperar.

O grande dia foi agitado. Era 30 de Janeiro, um ensolarado sábado. Enrolamos muito pra sair de São José. Era também o dia do casamento da irmã da Lia, namorada do meu irmão, e optar ir ao show ao invés de fazer as honras da família do sogrão foi com certeza uma escolha difícil pra ele. O Metallica entraria no palco às 21:30 e às 18:00, quando estávamos deixando a cidade rumo à capital, recebemos uma notícia de merda. Os ingressos VIP que muitos haviam comprado pela Ticket Master estavam errados. Os ingressos meia VIP e os da pista inteira custavam o mesmo preço, e todos receberam seus ingressos trocados. Screw this!

Tentamos esfriar a cabeça e botar os pés na estrada. Dirigi até Sampa em um misto de ansiedade e decepção, vestido com a minha recente adquirida camisa tricolor. Oras, se o show aconteceria no estádio do meu querido clube por que não fazer como os muitos palmeirenses trajados de alvi-verde durante o bom show do Iron Maiden no palestra itália? Errado!

Depois de ficar um tanto quanto perdido nas proximidades do Morumbi, encontramos a casa de uma amiga em que iríamos deixar nosso carro. Era um condomínio bacana, de extremo contraste ao cenário urbano e que não ficava muito longe do show. Longe o bastante da muvuca. O sorriso em nossos rostos já traziam os bons ares de missão cumprida. Depois de uma ou duas espreguiçadas, pegamos tudo o que precisávamos para o show e seguimos as pressas.

Graças ao horário de verão ficou claro que haviam pessoas demais na frente do Cícero Pompeu. A fila era ridícula, dava uma completa volta no estádio. Aceitamos o fato e fomos ao final da fila para a entrada da pista. Portão 02. Maldito portão 02.

Esperamos algum tempo até chegarmos a merecida entrada. Tudo estava sussa até acontecer o maldito momento desequilíbrio que toda história precisa para ser boa. Um dos seguranças me parou antes mesmo de chegar à revista me alertando que não poderia entrar vestido com a camisa do São Paulo. Haha, bela piada. Os argumentos giravam em torno de chances de linchamento e agressão fanática de torcidas rivais. Uma responsável pela administração veio até a discussão para dar mais força a imposição do segurança. A polícia, responsável pela revista nunca iria permitir que eu entrasse com aquela camisa. As opções não eram muitas. Ou jogava a camisa fora ou ia embora para todo sempre. Foi então que fiz o básico, fiquei puto. Estava FMP(Fudido e Mal Pago), como diria um amigo meu. Era ridículo, dentro do templo sagrado do meu futebol, eu não podia erguer o estandarte ou seria esfaqueado... Eu estava a jantar com o inimigo.

Saímos do estádio, ambos ainda nervosos. Meu irmão mais uma vez foi o tal do herói. Pegou minha camisa e colocou por dentro da calça, vesti uma capa de chuva e tomamos doses da maldita coragem. Aproveitamos uma confusão semelhante com um outro grupo torcedor do esporte nacional e os memos seguranças e corremos para a linha polícial responsável pela revista. Nervosos o bastante para sermos pegos, fomos revistados. Meu irmão trocou palavras com um dos policiais e passou. Na minha vez pediram para abrir a capa de chuva, para checar se eu escondia a camisa. "Cadê a camisa?". Com um embrulho na barriga, e uma careta no rosto as únicas palavras que me saíram foram. "No carro."

Puta que pariu, a sensação de passar pelas catracas era semelhante a chegar ao "pique" quando criança. Estávamos salvos. Meu estômago doía e eu ainda estava puto. Meu irmão era o herói e eu não conseguia sequer me livrar da fúria. Mais alguns passos e chegamos à rampa para entrar no campo. Era lindo. As luzes estavam acesas as arquibancadas lotadas, o campo cheio. Certa vez um amigo me disse que só o preço do sistema de iluminação do Morumbi já pagava o Palestra Itália. Foi apenas exagero de um palmeirense brincalhão, mas aquilo era lindo. Aquela visão era sem a menor sombra de dúvida as nossas batatas e nós os campeões. Eu quase pude sentir lágrimas no meu rosto ao ver a casa cheia. No meio da galera, olhando as arquibancadas lotadas eu pude sentir o gostinho de ser um jogador de futebol, e entendi por que as pessoas erram penaltis de vez em quando.

As luzes apagaram, o Metallica entrou, deu seu melhor e partiu. O melhor show de todos, no TOP 10 das maiores zicas de todas. Foi demais.

Quebrados, derrotados e de fato felizes, fomos embora. Sedentos por um simples suco de laranja jantamos uma pizza do Habib's, tomei um banho e capotei. No dia seguinte fui subitamente acordado pelo celular. Eram quase 14h, o número era estranho. A voz era familiar, mas eu ainda estava doido. Era um convite para almoçar. Arrumei minhas coisas, as coisas que havia bagunçado e fui me despedir do meu irmão. Ele já estava lendo as notícias. "Metallica faz o maior show de rock que São Paulo já viu.". Yeah! Vazei logo depois de um abraço, e do comum acordo de que agora só faltavam algumas bandas para assistirmos ao vivo.

Fui embora para Barra Funda, vestindo as poucas roupas limpas que ainda me restavam. Entre elas, o manto tricolor. Zica é zica e eu já devia estar acostumado. Fui parado no metrô por um funcionário à paisana. Disse que hoje era domingo, dia de clássico no palestra e que seria prudente de minha parte me livrar as pressas daquela camisa, antes que fosse linchado. Screw this 2...

Eu havia me esquecido completamente que era dia de jogo. Certo que o campeonato paulista não é tudo isso, e que tanto Corinthians quanto Palmeiras estavam com os times desfalcados e remendados. Mas os torcedores não tão nem ai para o futebol. O jogo é só um pretexto. Eu estava decepcionado com a maldita ironia. Eu não podia usar aquela camisa sem ser um maldito alvo.

Cheguei à Barra Funda, que fica há poucos metros do Estádio Palmeirense, e estava parado, subindo pela escada rolante, certo de que todos aqueles olhares curiosos que me seguiam me alertavam sobre e encrenca do fanatismo futebolesco de domingo. Foi quando uma pequena mocinha dos cabelos cacheados que subia as escadas normais mais rápido do que suas pernas deixavam chegou bem perto ao meu lado e me disse: "Que camisa linda."

A inocência e sinceridade daquela garotinha me arrancou um sorriso do rosto e me deu a motivação para escrever essa budega. Parecia que a garotinha sabia de tudo o que havia acontecido, e que eu estava prestes a me encontrar com uma pessoa que eu adorava. Era como se dissesse, "Fica frio, você já ganhou.". Eu acabei vestindo uma outra camisa amassada que tinha na mochila e desfrutado de um ótimo domingo em grande companhia. Foi um belo fim de semana que me lembrou que logo acabam minhas férias, e que volto a minha vida na capital das boas histórias.


6 comentários:

  1. HAHAHAHA sensacional. " Eu estava a jantar com o inimigo". A melhor parte com certeza. PUTA história cara. Blog sempre aberto para textos poéticos como esse. Pode entrar que a casa é tua.

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  2. mto bom o texto kra, mas nao deixarem entrar com a camisa do tricolor no morumba realmente eh um taco de baseball no meio das bolas...vc ficou FMP, frase dita por um amigo seu, acho q conheço ele, n eh o tal de gabriel cash? hehehe
    parabens pelo show kra!

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  3. haha, fudido saum phaulowwwww!!! jyeah
    sucesso mano

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  4. M.A.R.A.V.I.L.H.O.S.O. !!!!!
    adorooo seus textos.. sempre tem uma criança que anima nossos dias...rs

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  5. Convenhamos que não foi muito prudente pegar o metrô Barra Funda com a camisa do Tricolor em dia de Classico B (Clássico de verdade só quando São Paulo joga), mas é extremamente revoltante você não poder entrar no morumbi com a camisa do Tricolor. É tipo ser barrado na praia pelo salva vidas por estar de sunga!

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  6. fui no show do metalica em 1998!! haha...acho q isso prova q sou meio velhinha! nunca vou esquecer! mtoo bom

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Uhmm... na verdade,