sábado, 16 de janeiro de 2010

Os Dilemas da Intervenção Humanitária

por Victo José da Silva Neto

Para o pesar de todos que acreditam nos ideais encampados pelas Nações Unidas, de hoje em diante será sentida grande ausência de um ícone das missões de paz da organização. Luiz Carlos Costa, o chefe adjunto civil da missão de paz da ONU no Haiti faleceu, vítima do terremoto que atingiu a Ilha Hispaniola. Outros grandes profissionais que dedicaram suas vidas a construção de um mundo em que a comunicação e o auxílio se sobrepõem aos interesses estratégicos nacionais também faleceram. Segundo a ONU, até agora 34 funcionários da MINUSTAH já foram encontrados sob os escombros do que restou da sede da organização em Porto Príncipe.
Impossível não se lembrar de 2003, quando fatidicamente perdemos Sérgio Vieira de Mello, então chefe da missão da ONU no Iraque, sob ocupação da Coalizão. Outra vida dedicada à manutenção de conflitos, ao resgate em calamidades, um esforço no sentido de construir-se um mundo de cooperação. Ambos eram pessoas extremamente capacitadas, com larga experiência em campo, coordenando variáveis políticas a fim de extrair os melhores resultados para aqueles que, na maioria dos casos, pouco ou nada sabem da participação ativa das Nações Unidas e do seu esforço para com a causa.
A organização muitas vezes recebeu o ônus dos fracassos que foram, em realidade, produzidos pela negligência ou inação dos países membros e do conselho de segurança, mas nunca negou um pedido de socorro, uma intervenção que fosse provada necessária. Defendo este princípio das Nações Unidas. Concordo com o que Sérgio chamava de "Imperativo Humanitário", lastreado no pensamento kantiano. Entretanto, ao ver confirmada a segunda grande perda de um brasileiro eminente na organização, em pleno exercício da profissão, me coloquei a pergunta: a ONU é negligente com seu próprio pessoal?
Depois de tantas baixas, (os brasileiros foram só o chamariz) se apresenta um quadro que, em linhas gerais, parece denunciar o descaso da organização no que concerne a segurança de seus funcionários. Samanta Power denuncia, na biografia de Vieira de Mello, como os integrantes do quadro da ONU no Iraque tinham a certeza de que sofreriam um ataque da população enfurecida com a ocupação estrangeira - a única dúvida era o quando.
Em março de 2008, na 18ª Conferência Geológica do Caribe, um grupo de cinco sismologistas havia afirmado que havia um "grande risco sísmico" na falha ao sul da ilha Hispaniola. Como de costume, as vozes científicas foram suplantadas por "imperativos políticos" que assomam nas complexas relações internacionais coalhadas de interesses de múltiplos atores.
A ONU deveria tomar medidas extras de precaução com seus funcionários? Afinal, um grupo tão qualificado como os empregados pela organização, que tem o engajamento e a dedicação, sem falar na experiência e na habilidade nata de negociadores e logísticos, deve ser protegido como o grande asset da "corporação ONU". Seu quadro de funcionários é seu principal capital. Sem os homens que se dispõe a contradizer a lógica materialista e imediatista dos estados-nação, a organização não é mais que um prédio onde se produzem reuniões dominadas pela burocracia contaminadas por representantes especiais dos países mais "influentes".
Como, entretanto, a ONU poderia instalar seu pessoal no Haiti, de forma segura, sem causar um contraste no mínimo incômodo com as instalações da população miserável? Como garantir a segurança de seus membros, fornecendo instalações confortáveis e a prova de riscos que já foram provados pela ciência, e deixar todos os habitantes locais a mercê da menor fatalidade? Ao se colocar na mesma situação de risco, a ONU ganha legitimidade, pois não se comporta como países ocupantes, nem utiliza uma posição superior arrogante ou simplesmente mais poderosa e rica do que os que pretende ajudar.
Como então?

5 comentários:

  1. Não acredito que a ONU coloca intencionalmente seus funcionários em risco. Na verdade, acho que coloca, e acho que é esse o ponto.
    O Haiti é um estado falido há anos e estava, há mais anos, esquecido. A ONU, para o desgosto de muitos países, lá se instalou para tentar organizar uma sociedade caótica. Não conseguiu por falta de apoio da comunidade internacional e da sociedade civil (haha).
    O que mais me frusta dessa história é a quantidade de manchetes e de palavras que tem sido dedicadas ao Haiti nessa última semana.
    O país estava tão ruim ou pior antes do terremoto e ninguém sabia. A maioria dos brasileiros, e isso inclue nossos colegas de classe que fizeram o ENADE em novembro, não sabiam que o Brasil comandava a MINUSTAH. Muitos, aliás, não sabiam que a MINUSTAH existia.
    E agora fica essa comoção geral de um monte de gente que finge que se importa. Que vai doar 50 reais para entregar ração para a população sobrevivente.
    Essas mesmas pessoas que se comovem são as que criticam a ONU e que a chamam de uma instituição falida controlada pelos Estados Unidos. As mesmas pessoas que só se lembram do fracasso do Iraque. Eles só se esquecem que o número de mortos durante as décadas de guerra civil e peacekeeping foi bem maior e vai continuar a ser do que do terremoto. Eles também se esquecem que quando o assunto dos jornais virar alguma loucura do Chavéz ou da Kirchner vão todos esquecer o pequeno e insignificante Haiti, mas a ONU continuará lá até Deus sabe quando. Do mesmo jeito que continua em vários outros países paupérrimos da África que não sabemos como estariam não fosse a ONU.

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  2. Concordo que o sensacionalismo foi e continuará sendo o único meio de atrair a atenção de um público que, de outro modo, não se prestará a conhecer ou entender a realidade de locais tão remotos e carentes como o Haiti. O desconhecimento da própria chefia do Brasil na missão da ONU é um sinal de que a sociedade brasileira é, de modo homogêneo, ignorante quanto à política internacional, e até certo ponto avessa a ela.
    Apesar disso, meu argumento não é contra ou a favor dessa missão em particular; é sim um chamado a raciocinar sobre a lógica cruel que rege as intervenções da organização: para obter acesso à população carente, os funcionários da ONU devem dividir com ela os mesmos riscos que estas correm.
    Power descreve bem como os americanos ao construírem a Zona Verde em Bagdá, conseguiram repelir a população e estimular o ódio contra a Coalizão. A ONU por outro lado, nunca fechou as portas de seus HQs para os nativos - e por isso mesmo se tornaram vulneráveis, e alvos fáceis para grupos extremistas.
    Repito então, como agir protegendo a vida de seus funcionários, sem passar uma imagem de distanciamento da população afligida?

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  3. Mas será que a maior parte dos trabalhos dignos não funciona assim? Médicos, por exemplo, não se sacrificam diariamente a contaminações aos mais diversos tipos de doenças para ajudar os outros?
    Policiais não se arriscam frequentemente ao subir favelas?
    A ONU tem do mesmo modo agido assim. Não sei se é uma lógica perversa somente das missões de paz, mas sim da vida (nossa, profundo).
    Sem dúvida, a Coalizão e a Zona Verde foram mostras de como não funciona separar o povo dos "governantes". Mas isso se comprova também em outros casos - pq é que sempre que há uma tomada popular os palácios dos governantes são os primeiros a serem atacados?
    Esta história de alguns governarem muitos não dá muito certo. Sem desprezar os contratualistas, mas os que criaram os fatídicos contratos sociais esqueceram de avisar a população...

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  4. "Esta história de alguns governarem muitos não dá muito certo."
    Sim, sim, então a solução para todos os problemas do mundo é o Comunismo, né Stalin?

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  5. É evidente que toda missão de paz já pressupõe a existência de riscos e perigos e a ONU não pode chegar lá e construir um forte para seus funcionários, mas acredito sim que a ONU tem a obrigação de fazer tudo o que está a seu alcance para garantir o máximo de segurança possível para seus funcionários. Em uma região de encontro de placas tectônicas, o mínimo esperado é que a ONU tenha um prédio a prova de terremotos.

    Tendo isso dito, é revoltante que a midia só mostre o Haiti pós terremoto. O país era tão ou mais desgraçado antes dessa catastrofe, nossos soldados estavam arriscando sua vida lá e ninguém mostrava nada. Muita gente, como disse a Stalin , nem sabia que existia essa missão de paz liderada pelo Brasil.

    That's all folks!

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Uhmm... na verdade,